O fascínio da personagem Peppa e o apelo familiar


O Que Faz as Crianças e Adultos se Identificarem tão Facilmente Assim com Peppa-Pig?

Peppa Pig poderia se passar por qualquer criança pequena por volta dos quatro ou cinco anos, não fosse pelo fato de ser uma porquinha. Ela vive com seus pais, Papai Pig e Mamãe Pig, e seu irmãozinho mais novo, George. Eles são os personagens principais do desenho animado que já conquistou milhões de crianças pelo mundo todo, exibido em mais de 180 países.
Os adultos que assistem a alguns episódios da série podem sentir dificuldade para compreender por que Peppa e sua família são tão adoradas pelas crianças. O desenho do canal de TV a cabo Discovery Kids é simples, com poucos efeitos tecnológicos, e o dia a dia da porquinha não tem nada de excepcional, ao contrário das histórias de super-heróis.
Penso que o elemento catalisador de empatia que envolve a trama de Peppa-Pig conduzindo ao fascínio dos infantes (e muitos adultos), está na simplicidade de se apresentar um modo de vida divertido, sem preocupações, de envolvimento afetivo paterno e materno, idealizado e aspirado no ser interior de cada um de nós. As crianças de hoje veem em Peppa, esta é minha impressão, a presença confortadora e segura de seus pais, irmãos e amigos, onde se cria um ambiente de paz e alegria constante. Os pais, nostálgicos, talvez fiquem pensando nos momentos de felicidade que também tiveram quando pequeninos, quando deixavam se embalar pelo lúdico mundo das fantasias.

De Onde se Explica tal Sentimento que Conduz ao Sucesso da Série?

Do ponto de vista da teologia reformada, podemos ensaiar três situações que servem de apoio para uma análise teorreferente, onde aspectos da criação, queda e redenção podem ser percebidos.

Da Criação

Deus criou a família. Em Gênesis 2.24 ele deu a ordem: “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne.” (ARA). Mas antes mesmo deste momento, ele já havia dito ao homem seu propósito:

“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra.” (Gênesis 1.27-28 -ARA).

A família é um projeto divino, idealizado pelo Criador, que a planejou para que esta o representasse no ambiente criado por ele. É o próprio Deus que estabelece a gênese e as metas da família. Homem, mulher, macho e fêmea, heteros, monogâmicos, férteis, companheiros, amantes, solidários, comprometidos, envolvidos, etc. Todos estes elementos estão presentes na composição familiar, conforme proposito divino revelado nas Escrituras.

Percebemos isso claramente no ambiente familiar do desenho Peppa-Pig. Ali vemos as figuras centrais bem definidas e com papeis distintos. Papai, mamãe, filha, irmão, vovô, vovó, amigos, etc. A muito material da criação expresso aqui! A liderança do pai, ainda que muitos críticos progressistas o veem apenas como um bobinho, é evidente. Ele tem a tarefa primaria de prover o lar. Ele trabalha e ainda encontra tempo de ser o “sacerdote da casa”, quando retorna, não se furta a suprir as necessidades emocionais, e porque não pensar (ainda que não apareça elemento explicito religioso nos desenhos), espirituais também. Seus filhos e sua esposa sempre aguardam ansiosamente o retorno do Papai Pig para o descanso e aconchego do lar. Deus nos projetou para a felicidade, e esta deveria ser alcançada em um ambiente de família, de amor e grande envolvimento fraterno. Vejo muito traço disto na trama dos desenhos de Pepa Pig. Pode ser este um elemento, que ainda que inconscientemente, arrebata a atenção dos infantes e muitos adultos a se concentrarem a frente de suas TV’s quase que hipnotizados. O pregador em Eclesiastes disse com sapiência que “...Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio até ao fim.” (Ec 3.11). Existe uma santa curiosidade, e saudade sem explicação, intrínseca a natureza humana. Mesmo em mundo caído ela ainda resiste, e prepondera. Nosso próximo tópico.


Da Queda

Esse ambiente santo e puro da Criação não foi preservado, infelizmente, como sabemos pela instrução bíblica. Uma tragédia abateu a raça humana quando a primeira família, Adão e Eva, sucumbiram ao teste de obediência e pecaram. Pecando caíram. E caindo tudo foi modificado no cosmos, incluindo a cosmovisão humana, a maneira com que os homens, as famílias, portanto, a partir deste evento veriam e se relacionariam com as coisas criadas originalmente. Nunca mais, pelo menos antes da redenção, as coisas seriam como antes.

A queda rompeu drasticamente a estrutura familiar. Elementos ausentes no primeiro estágio da criação apareceriam a partir do estágio de queda. Medo, insegurança, disputas, enfado, cansaço, raiva, ódio, fome, dor multiplicada, insubmissão, insurreição, frieza, egoísmo, incredulidade, etc. Estas coisas não existiam no estado original de pureza e santidade criados por Deus.  Gênesis nos dá a narrativa deste triste momento:

Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu. Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. Quando ouviram a voz do SENHOR Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do SENHOR Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. E chamou o SENHOR Deus ao homem e lhe perguntou: Onde estás? Ele respondeu: Ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi. Perguntou-lhe Deus: Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses? Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi. Disse o SENHOR Deus à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará. E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás. (Gênesis 3.6-19 – ARA).

Notamos nesta narrativa que os valores são alterados. O homem que deveria cumprir o fiel papel de protetor e provedor do lar se vê perdido após falhar completamente na tarefa original dada por seu Criador. Ele ainda está vivo, mercê da bondade de Deus, mas seu estado original foi maculado. Ele agora haverá de conquistar aquilo para o qual foi criado, mas com desgaste físico, emocional e espiritual. Seu governo sob o lar não seria mais pacifico e aceitável, assim como no estado da Criação, mas haverá a partir deste momento disputas, ciúmes, violências, e outros males terríveis. Papai Pig precisa sair cedo para trabalhar e trazer o pão para casa. Ele faz isso sem reclamar muito, mas volta cansado todos os dias, e vê suas forças sendo consumidas pelo estresse, e principalmente, pela velhice. A ausência de óculos o faz constatar o quão limitado é sem estes. Bem, crianças também usam óculos, isto não é uma marca exclusiva do envelhecimento, contudo, a velhice, algo não programado para a natureza humana original, traria a partir da queda o desgaste do corpo físico, e consequentemente, limitações e doenças surgiriam a partir daí. O mau humor é uma doença da alma, de uma consciência irritada que não consegue mais se desprender das circunstancias não prazerosas da vida.

Jorge, o caçula, é mimado, centralizador, egoísta. Quer o dinossauro só para ele. Chora quando se vê preterido em sua vontade. Elementos de rebelião estão presentes intrinsecamente na natureza do homem desde a infância. Davi percebeu isto claramente quando inspirado disse: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe.” (Salmos 51.5 -ARA). Jaques Rousseau estava errado quando elaborou a tese do “bom selvagem”, onde defende uma natureza humana neutra, capaz de soerguer-se em bondade autonomamente se estimulada. O homem é mau por natureza caída. A queda nos fez todos maus. Paulo asseverou por isso aos Romanos ao instruí-los assim: “... Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.” (Romanos 3.10-12 – ARA).

Jorge, Peppa, e todos os demais personagens, não precisam de ninguém para lhes ensinar os truques da maldade. Isto vem de fábrica! “O coração dos homens é uma fábrica de ídolos! “, escreveu Calvino. Contudo, para se aprender a fazer o bem é preciso educar, disciplinar, corrigir, admoestar, recursos recomendados nas Escrituras.

Salomão sabia o que estava dizendo quando escreveu: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela.” (Provérbios 22.15 -ARA). Afirmamos, porém, que a disciplina não é somente um elemento presente na Queda, mas, principalmente, necessário na Redenção. A disciplina neste prisma, é sobretudo, uma bênção. Redenção é nossa próxima observação em Peppa-Pig.

Da Redenção


Quando olhamos então novamente para nossos personagens de Peppa-Pig podemos perceber elementos de redenção ali presente? Sim! Respondo eu. Nem tudo está perdido totalmente no ambiente pós-Queda. Há esperança ainda! Deus não abandonou os nossos primeiros pais, apesar deles terem-no por um momento abandonado, quando pecaram e depois se esconderam. É o próprio Criador que se lança a procura deste homem perdido dentro do paraíso. “Onde tu estás Adão?”, pergunta-lhe Deus, como se fosse possível não sabê-lo. (Cf Gn 3.9). Adão está assustado, ele e Eva percebem que a ordem natural se alterou. Agora sentem vergonha, não de si mesmo, mas da santidade de Deus. Eles percebem que estão desnudados moral, física e espiritualmente ante os olhos santos do Eterno. Buscam soluções caseiras, mas totalmente ineficientes. Deus se revela então! Ele se mostra generosamente retentivo, sem deixar responsavelmente justo. Deus prometera e haverá de cumprir sua palavra. A alma que pecar morrerá! Adão e Eva morrem espiritualmente, morrerão fisicamente, e se não houver uma intervenção de graça, morrerão a pior das mortes, eternamente.

O que Deus faz? Faz promessas! Juramentos! Pacto que só ele pode cumprir, e que envolvem parte da humanidade por ele eleita. O cerne destas promessas gloriosas de uma restauração perfeita e escatológica encontra-se germinalmente aqui: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. ” (Gênesis 3.15-ARA). A rebelião do primeiro Adão será redentivamente revertida na obediência do segundo Adão. Paulo identifica-o como Cristo, nosso Senhor. “Se, pela ofensa de um [Adão] e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. ” (Romanos 5.17 – ARA), e “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo. ” (1 Coríntios 15.22 – ARA).

O ideal de uma família que se ama, se respeita e interage com pureza e santidade, conforme percebemos em espectro, pelo menos assim parece acontecer de alguma forma, em Peppa-Pig, é apenas uma caricatura minúscula do que se pode esperar em Cristo às famílias por ele rendidas. A rebelião e egoísmo de Jorge, o egocentrismo de Peppa, o cansaço de Papai-Pig, a insegurança de Mamãe-Pig, e outros elementos observáveis em humanos caídos, serão revertidos cabal e eficazmente na gloriosa redenção presente e futura de nosso Senhor Jesus Cristo.

O que fascina em Peppa-Pig tanta gente assim afinal? O desejo de ser feliz, de voltar ao Éden, de ter uma família estável, unida, alegre e companheira. Isso só é possível se houver um elemento medidor unificador – Jesus Cristo! A audiência do desenho não pensa desta forma, penso eu, quando está vendo os episódios das séries. Mas no íntimo todos pensam assim, ainda que o neguem em suas incredulidades. O ser humano não foi criado para a infelicidade, mas para o louvor e glória de Deus, e para desfrutá-lo em todo seu prazer.

Peppa-Pig pode ser um roteiro que aponta para o caminho de um reencontro feliz com o Criador! Cativa as crianças, envolve os adultos e faz-nos pensar teorreferentemente.


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