POR QUE FREUD REJEITOU DEUS?


RESENHA CRITICA

Por
Afonso Celso de Oliveira

RIZZUTO, Ana-Maria. Por que Freud rejeitou Deus – Uma interpretação Psicodinâmica - São Paulo: Edições Loyola, 2001. 268 pp

A autora Ana-Maria Rizzuto é analista supervisora e treinadora no Psychoanlaytic Institute of New England, East. Recebeu em 1996 o prêmio William C. Bier da American Pschological Association e, 1997, o Prêmio Pfister da American Psychiatric Association por suas contribuições ao estudo da religião. Com esta autoridade, realiza o estudo contido nessa obra, cujo objetivo é uma investigação psicanalítica da pessoa de Sigmund Freud, na tentativa de compreender o ateísmo declarado e sua obstinada luta para desacreditar qualquer tipo de religião, e, principalmente, Deus.
Esta obra não segue uma ordem cronológica da vida de Freud. A autora prefere destacar nos capítulos que desenvolve, temas que julga serem pertinentes a construção da compreensão do relacionamento de Freud com a religiosidade.
No capitulo primeiro – A Compulsão de Freud por colecionar antiguidades – Segundo a pesquisa de RIZZUTO, Freud possuía uma obstinada compulsão por colecionar objetos antigos e dispô-los de forma sistemática e meticulosa em ambiente preparado para receber estes objetos.  Fascinava-o em especial os objetos coletados das culturas egípcia, grega e romana.
Diz a autora:

A coleção de objetos arqueológicos, Freud reconheceu em uma carta a Stefan Zweig do dia 7 de fevereiro de 1931, era uma necessidade compulsiva assim como fumar: “Apesar de minha parcimônia, sacrifiquei muito por minha coleção de antiguidades gregas, romanas e egípcias, tenho lido mais sobre arqueologia que sobre psicologia; isso antes da guerra tenho lido mais sobre arqueologia que sobre psicologia; isso antes da guerra – depois de seu término eu me senti compelido a passar,  todo ano, ao menos alguns dias ou semanas em Roma (1960, p.403) – p. 25

Um tema a percorrer todo escopo do livro de Rizzuto é a doação que o pai de Freud, Jacob Freud fez a seu filho, com uma dedicatória enigmática na Bíblia de Philippson, edição provável de 1841. A autora insiste na análise do que representou essa Bíblia como elo entre Jacob (pai) e Sigmund (filho), buscando interpretar a partir desse ponto as dificuldades e resistências que marcaram a vida de Freud.
No segundo capitulo – A História da Família – a autora faz uma retrospectiva da família de Freud. Descreve seus pais, avós e parentes próximos. Suas origens, hábitos, costumes, dificuldades, e a personalidade familiar. Freud foi o quarto filho homem, de uma família de 12 filhos. Quando Freud nasceu sua mãe Amalie N. Freud tinha 20 anos, e seu pai Jacob era um homem de 39 anos.
Os Freud's era uma família judaica ortodoxa de tradições rígidas. Sigmund certamente, pelos indícios coletados pela autora, parece ter recebido instruções da fé judaica em seus primeiros anos de vida, como manda a tradição ortodoxa. Apesar de em 1930, o próprio Freud, estranhamente negar sua catequização judaica na infância. “Minha educação foi tão pouca judaica que hoje eu nem sequer consigo compreender sua dedicatória, evidentemente escrita em hebraico. Depois de adulto, frequentemente lamentei essa deficiência em minha educação” (1960, p.395). p. 45
No capitulo terceiro – Jakob e a “catástrofe” – a autora explora melhor a personalidade e a biografia do pai de Freud. Uma coisa interessante a notar, é que a Bíblia de Phillipson, adotada por Jakob, possuía varias ilustrações, inclusive de figuras egípcias, o que era algo antinatural a cultura hebraica reconhecida por sua postura intransigente contra qualquer representação gráfica ou de imagem ligadas a Deus, ou aos ritos e costumes religiosos. “A Bíblia de Philippson incluía até mesmo figuras de deuses egípcios. (...) Jacob Freud fora totalmente instruído sobre as proibições de Deus contra a fabricação de quaisquer imagens”. P. 55
Os primeiros anos da infância de Freud foram marcados por tragédias familiares, “... seus pais sofreram perdas muito significativas: um pai, um irmão favorito e um filho”. P. 57. Rizzuto faz uma observação interessante quando descreve seu olhar ao dizer: “O psicanalista não pode deixar de observar que Freud se apresenta apenas como filho de sua mãe, omitindo seu pai e a atordoante confusão de gerações entre seus meios-irmãos paternos, sua mãe, e o sobrinho e a sobrinha de sua idade”. P.57
A autora destaca que “quando Sigmund Freud fez seis anos, não foi mandado para uma escola primária pública, como era normal em Viena”. P. 60  Há versões diferentes sobre a educação primaria de Freud. O pai de Freud havia sido instruído a ler a Bíblia de Philippson. Freud, em sua juventude, reconheceu o valor desta leitura em seus sete anos de vida.

Em 1935, Freud reconheceu quão significativa foi para ele essa primeira exposição á Bíblia: “Meu profundo envolvimento com a história da Bíblia (praticamente tão logo aprendi a arte de ler) teve, como percebi muito depois, um efeito permanente sobre a direção de meu interesse”. P. 60

Aos poucos, Freud foi descobrindo as fraquezas de caráter e personalidade de seu pai. Acredita-se que isso possa ter colaborado para que Freud rejeitasse, consequentemente, a religião de Jakob.

Freud soube do episódio do comportamento anti-heroico de seu pai quando um cristão atirou-lhe o solidéu na lama. Sigmund queria um pai forte e heroico que corresponde à aparência física imponente de Jakob. O que ele ouvira era a história de um homem submisso. Ficou desiludido com o pai e rejeitou seu exemplo. P. 65

O pai de Freud provavelmente nutria esperança maior em seu filho Sigmund, preterindo os outros irmãos. Essa predileção pode ter gerado ciúmes e desentendimentos familiares, assim como no exemplo bíblico da predileção de Jacó por José.
A sequência da investigação sobre a pessoa do pai de Freud, Jakob continua no quarto capitulo – Jakob, homem e pai – Que tipo de homem era Jakob? Que tipo de pai para seu filho? Suas características físicas, entre outras coisas, são esmiuçadas pela autora. 
Ela resume bem a figura do pai de Freud ao dizer:
Os fatos históricos apresentam Jakob Freud como um homem incapaz de se manter por sua própria conta no mundo dos negócios. Depois de mudar-se para Viena, ele não teve documentada nenhuma atividade comercial ou outra ocupação remunera; nunca foi capaz de prover adequadamente a sua grande família. “Frequentemente recebia ajuda financeira da família de sua mulher”.  P. 73

As investidas do pai de Freud na educação religiosa deste implicariam em sérios conflitos existenciais no “pai da psicanálise”. “A tarefa de ser o novo judeu trouxe-lhe um grande conflito. Ele julgava que, tão logo fosse capaz de ser critico e criterioso, não poderia acreditar na existência de Deus”. P. 77
No quinto capitulo – A dedicatória e a resposta de Freud- diz respeito à investigação da dedicatória escrita em hebraico, o que para a autora sugere que Freud deveria ter algum conhecimento desta língua, e se houve alguma resposta de Freud a Jakob.
A linha inicial de Jakob sugere um carinhoso convite a que Sigmund deixe para trás a rejeição de Deus de sua juventude e retorne a ele na maturidade. (p.82). [...] Freud nunca documentou em palavras sua reação ao presente e ao apelo do pai. (p. 87).

As pesquisas da autora levaram-na a concluir que Freud, muito jovem, se tornara o provedor de sua família, o que constata o fracasso de seu pai, e provavelmente, o agravamento da má imagem que esse impingia na mente de Freud.
No sexto capitulo – As impressões da Bíblia de Philippson na infância de Freud- a autora volta-se as marcas na infância de Freud. Aliás, reiterando o que já foi dito no inicio, a autora não escreve seguindo uma linha cronológica linear, ela não é uma biografa de Freud, mas uma psicanalista que busca vê-lo sob a ótica da psicanálise. Investiga eventos aqui e acolá, de acordo com uma metodologia analítica típica de suas capacitações acadêmicas.
Ela procura responder aqui como era a vida de Freud aos sete anos, quando esse teve seu primeiro contato com a Bíblia do pai, que segundo entendimento da autora possuía ilustrações que foram coloridas, provavelmente pelo próprio Freud.
Outra vez Rizzuto deixa claro a imagem que Freud possuía de seu pai:

No entanto, Sigmund também via outro Jakob – o homem de negócios incompetente, cheio de sonhos vazios, o pai improvidente, o morador dos pobres e superlotados aposentos do gueto de Leopoldstrasse, o homem que tirou Freud da “feliz” cidade de Freiberg. Para piorar a situação, havia o Jakob que proclamou que ele, Sigmund “não iria ser ninguém”. Esse acúmulo narcisista de feridas sufocava a criança. P. 109

No sétimo capitulo – A Bíblia de Philippson e a coleção de antiguidades de Freud – a autora insiste na investigação da obstinação de Freud por colecionar objetos antigos, e a provável influência que advêm de suas observações, principalmente às ilustrações contidas na Bíblia de Philippson.
No oitavo capítulo – A evolução religiosa de Freud – é destacado as perdas familiares que resultaram em sofrimento emocional profundo no jovem Freud, e consequentemente fizeram-no reavaliar seus conceitos religiosos, que já não eram tão firmes, pelo contrário, suas dúvidas quanto à existência de Deus, aprofundaram-se mais ainda.
Freud passa a desprezar todos e tudo aquilo que está relacionado com a religião. Seja por observar o caráter trapaceiro de seus compatriotas, seja por não absorver as crises e perdas familiares que sofrera.
A última referência conhecida de Freud a assuntos religiosos ocorreu no dia 22 de agosto de 1938, um mês antes de sua morte, quando, sob o título “Descobertas, ideias, problemas”, ele escreveu o que parece ser seu comentário final sobre religião e misticismo: “O misticismo é a auto-percepção obscura da região exterior ao ego, do id” (1941 91938], p. 300).

No capitulo nono – As teorias de Freud acerca da religião – Rizzuto investiga a repulsa que Freud tinha a respeito de temas religiosos. “rebaixar a divindade tornou-se o objetivo de Freud e sua façanha orgulhosa”. Em seu texto “Introdução ao narcisismo” (1914)  [...] Freud disse explicitamente nesse ensaio que ele estava não somente destituindo o homem de sua posição privilegiada mas também rebaixando Deus de criador a uma criação dispensável do inconsciente humano. P. 158
Sua primeira contribuição à compreensão da religião apareceu em seu ensaio: Atos obsessivos e práticas religiosas” (1907), que trata das similaridades  entre a obsessão e a religião. Freud conclui: “Poderíamos nos arriscar a considerar a neurose como uma contrapartida patológica da formação de um religião, e a descrever a neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal (p. 126)”. P.159

Nos capítulos décimo e décimo primeiro – Amalie Freud, a natureza, Deus e a morte – Rizzuto investiga a figura da mãe de Freud. Diferente de Jakob, esta mulher possuía uma forte personalidade, dominadora, critica e centralizadora.  Amalie Freud também tinha aspirações elevadas por seu filho.

A mãe de Freud nunca se desviou de sua gloriosa visão a respeito de seu primogênito. Quando era uma mulher velha, perto da morte, Amalie Freud teve um sonho sobre a morte de Sigmund: “No sonho ela estava no funeral de Sigmund, e em torno de seu caixão estavam dispostos os chefes de Estado dos maiores países da Europa”. P. 206

Freud pouca cita sua mãe.

A última referencia de Freud à mãe relaciona-se à própria morte de Amalie. Gay (1988) cita uma carta de pêsames que Freud escreveu a Max Eittingon pela morte de sua mãe que mostra o peso que ele conferiu a tal acontecimento: A perda de uma mãe deve ser algo totalmente singular, que não pode se comparar a nenhuma outra coisa, e deve despertar emoções difíceis de entender”. P. 215

Na morte da mãe de Freud, algo interessante ocorreu, o próprio Freud recusou-se a comparecer no funeral de Amalie, enviou um representante.
No ultimo capitulo, décimo segundo – Por que Freud rejeitou Deus? Uma interpretação psicodinâmica, a autora dá seu parecer como analista do que ela pensa terem sido os fatores predominantes a esta questão.
Não se pode concluir tal assunto, visto que o campo de analise é subjetivo. Mas a Rizzuto dá a entender que as representações formadas na personalidade de Freud que o levaram a rejeitar a Deus estão arraigadas as suas origens familiares, suas crises existenciais, suas decepções com o pai, e o medo da mãe, e, talvez, principalmente a tendência inconsciente de rejeitar tudo que possa trazer essas memórias, a crença na existência de Deus.
Livro interessante, com muitas informações biográficas, sob uma ótica interdisciplinar histórica e psicanalítica.  Recomendo sua leitura e análise.

Evidentemente, que para nós Cristãos da tradição reformada, acreditamos que o que levou Freud a rejeitar Deus foi à semente da rebelião em seu coração, herdado do pecado de nossos primeiros pais. Freud não é diferente de nenhum mortal, que sem a obra da Graça aplicada a seus corações, com certeza, inconsciente ou conscientemente, com ódio, ou medo, rejeitarão a Deus.

Comentários

  1. Sinceramente eu acho que Freud rejeitou Deus, por ficar cego e olhar para Deus apenas como o Deus bíblico..., se olhasse para Deus de uma maneira Deísta, como Deus sendo apenas a inteligencia suprema, causa primária de todas as coisas (como Einstein por exemplo acreditava), a mente dele iria se expandir e ver que há sim, muita justiça na criação divina!, o problema de surgirem muitos ateus nos dias de hoje ainda é o mesmo problema do século 19 quando o ateísmo começou a ganhar forma: as antigas religiões dogmáticas, que ignoram qualquer crença além do seu livro sagrado, e que veem Deus como um ser vingativo, que em seu próprio livro sagrado se diz perfeito, mas se arrepende em mais de uma vez logo nos primeiros livros da bíblia..., e não digo isso só da bíblia, o alcorão, e inúmeras religiões que não das respostas a ninguém, pelo contrário, só incentivam a revolta contra ''Deus'', e acabam cegando as pessoas com ódio a qualquer filosofia Deísta, achando que qualquer filosofia Deísta é igual ao cristianismo, judaísmo, Islanismo, etc...

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  2. Olha anônimo, publiquei teu comentário por respeito ao principio democrático desse Blog. Mas não acredito deverás que uma posição deísta, que não se sustenta nem por lógica, nem por exegese bíblica, foi a causa primaria da intolerância religiosa ateísta de Freud. As raízes de sua incredulidade estão arraigadas a um espírito de rebelião contra tudo que Deus é ou representava para ele. A posição reformada, a qual pertenço, argumenta em termos de Teísmo Bíblico. Mas, isso é tema para estudo de um novo post. Deixa como está, por enquanto. Obrigado pela participaçãp

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